Follow Up III
Setembro 11, 2021
março já costumava ser um mês agitado porque a sis (e agora o sobrinho também) fazem anos, porque começa a primavera, porque a hora muda, porque gosto de fazer férias nesta altura, e por aí em diante. só que por causa das coisas, desde há uns anos para cá passou a ser ainda mais agitado — é a altura em que faço os exames de rotina anuais, para nos certificarmos que a fruta não criou bicho outra vez, e se a terapia hormonal não faz mais do que é suposto.
mas este ano consegui elevar a coisa a outro nível. basicamente, tirei o mês de março para sofrer.
em fevereiro, na consulta semestral de higiene oral, levei nas orelhas pela terceira vez consecutiva, porque o siso que eu já devia ter tirado por ter uma cárie muito difícil de alcançar, ainda ali estava, e provavelmente já a afectar o dente do lado. desta vez decidi dar ouvidos à higienista porque desde há um par de meses que andava com sensibilidade naquela zona, e podia ser essa a causa. tão saí do consultório com a extracção do siso marcada.. para março!
se é para sofrer, sofre-se tudo de uma só vez, né?
eis que chega março, e cá estou eu novamente recostada na cadeira de dentista. ainda a médica não tinha começado o processo, já me estava a dar uma novidade. ao observar o RX panorâmico que eu tinha acabado de tirar, apercebeu-se de uma mancha que estava ali no lugar vago de um dente (que já saiu há mais de 20 anos), e que tinha que sair, para se perceber o que era.
oh, que surpresa. tenho uma cena dentro mandíbula 🥱 (srly, nesta altura do campeonato já nada me surpreende)
o siso, esse, coitado... assim que ela lhe cravou o alicate, demorou dois minutos a ser desalojado. e de facto tinha uma cárie um bocado foleira. saí do consultório com menos um dente do que entrei, e uma requisição para fazer um tac à mandíbula.
tanto drama que andei a fazer por causa de ir tirar a merda do siso, não custou nada. bah!
entretanto, aproveitei a desculpa do tac para marcar uma consulta com a minha médica assistente, que é uma querida, e que para além do tac e de um MAPA [monitorização ambulatória da pressão arterial] por causa das queixas que lhe fiz (e do registo das medições que lhe mostrei), sobre a minha pressão arterial andar um bocado abusada, também achou que eu estava há muito tempo sem ter as vísceras inspeccionadas. então mandou-me ir fazer umas ecos e rx. mas isso marquei para o mês seguinte, que neste já tinha areia demais na camioneta.
como marco os exames de rotina no final ou início do ano, consigo sempre umas datas porreiras. ressonância magnética, mamografia + eco mamária, eco pélvica e análises tudo feito em dois dias seguidos. e tudo dentro da normalidade. por acaso o relatório da RM vinha demasiado denso para o meu gosto, mas parecia estar tudo tranquilo (e só revela o quão minuciosa a médica é). o tac fiz uns dias depois.
deixei o pior para o fim, aquele exame que eu sempre soube que havia de chegar o dia em que teria de o fazer, mas que por acaso não estava a contar com ele tão cedo... uma colonoscopia.
digamos que estava bastante motivada para fazer este exame. no espaço de um ano estávamos com 3 casos de cancro colorrectal na família, e eu até já tinha uma prescrição para fazê-lo desde o primeiro... já diziam os antigos, quem tem cu, tem medo. vai daí, marquei-o também para março, why not?
ao contrário da endoscopia digestiva alta, que sou obrigada a fazê-las sedada porque a minha faringe é por demais sensível, e qualquer coisa que se aproxime remotamente dela desencadeia logo um festival de reflexos de vómito, a endoscopia digestiva onde o sol não brilha era outra história.
quando marquei este exame fiquei a saber que, por querer fazê-lo consciente, tinha as minhas opções muito limitadas. por alguma razão (que havia de descobrir mais tarde muhahaha) os médicos preferem os pacientes tranquilamente a dormir, enquanto lhes vasculham as entranhas.
bom, desse por onde desse, eu queria MESMO estar acordada durante o exame. não só pela oportunidade única de olhar para dentro do corpo em alta definição, como se tivesse ali alguma cena marada in the making, queria testemunhar em directo o achado e ver o endoscópio em acção. pancadas da minha costela maluca da ciência 🤷♀️
descobri também que teria que fazer um teste de covid dois dias antes, ou então não havia colonoscopia para ninguém. epá, já que estamos numa de enfiar cenas, bora lá!
a colonoscopia é um exame muito temido, não só pela sua natureza... delicada, como também pela preparação violenta a que obriga. e eu fiz aquilo que faço sempre quando estou perante um desafio, defini uma estratégia para sobreviver à coisa com menos PTSD possível. iria começar dois dias antes do recomendado, não fosse a coisa correr mal. fui gradualmente deixando de comer alimentos com fibra ao longo de uma semana, para na véspera não ter muito que limpar. tinha os passos todos marcados no calendário.
a pior parte deste processo, é que eu quando tenho fome, sou uma pessoa muito má de aturar…
anyway, o pior ainda estava para vir. 12 horas antes do procedimento, tinha que começar a beber aquela cena intragável que transforma as tripas duma pessoa numa mangueira de alta pressão. as histórias de horror que tenho ouvido sobre estas mistelas 😰
eu estava psicologicamente preparada para aquilo ter um sabor horrível. mas a minha definição de horrível não foi suficiente... aquilo eram vários níveis de horrível. meio litro dum líquido espesso, tão doce, mas tão doce que tava com medo que me desse diabetes. tinha que beber aquilo em meia-hora, e na meia-hora seguinte, tinha que emborcar um litro de água. e depois repetir o procedimento.
se a primeira parte já foi fodida — demorei mais 15mn que o suposto para beber aquela porcaria toda, e lá pro fim tava ver que começava a mandar aquilo fora pela extremidade errada, a segunda parte foi um real suplicio.
o segundo preparado conseguia ser ainda mais horrivelmente doce (como se tal coisa fosse sequer possível!!!), mais espesso, e ainda mais penoso de beber. e não tardou muito a acontecer exactamente aquilo que não era suposto. cada golo que dava, lá vinha o gregório. tentei meter gelo naquilo, não ajudou grande coisa. beber água imediatamente a seguir funcionava um bocadinho melhor.
em vez de 30mn, estive 3 horas a tentar beber aquilo, e boa parte nem sequer chegava ao destino. 3 horas sentada na sanita a sentir-me miserável, enquanto tentava distrair-me com a miséria alheia, lendo comentários de pessoas a descrever as suas preparações no reddit.
às tantas desisti. já não conseguia beber mais. deixei praí 100ml no shaker, ainda que aquilo já estivesse mais do que diluído na água do gelo, mas eu tinha chegado ao meu limite. a preparação não estava ideal, mas com sorte era o suficiente para não abortarem a missão, e eu ter que passar por aquilo tudo outra vez dali a uns dias.
às 8 da manhã estava finalmente a preparar-me para a acção. o pior já tinha passado, agora vinha a parte fixe da coisa. quando me levaram para a sala do exame, vi 5 copos para amostras alinhados em cima do balcão, e pensei cá para mim, "espero que sejam suficientes". enquanto o enfermeiro e a médica ultimavam os detalhes para iniciar o exame, eu lutava com o monitor cardíaco a ver se conseguia baixar dos 100BPM. coisa complicada naqueles dias.
aaaaand... UP WE GO!!! pensei o procedimento fosse muito mais desconfortável, ok... é um bocado estranho sentir o tubo a remexer lá dentro, mas não doía nada. o único incómodo era quando começava a insuflar, e o corpo em vez de deixar sair o ar, prendia-o, e eu tinha activamente que expulsá-lo... não era nada constrangedor muhhahahah e mesmo assim, eu ainda conseguia tornar a situação pior — cada vez que tinha que executar a manobra, emitia um “aaaaaaahhhhhhhhh” de alivio 🤣🤣🤣
o tubo entrou. o tubo andou às voltas. o tubo saiu... e nem um pedacito de tripa para amostra. nada, nicles.. parecia novinha em folha, tinha um aspecto incrivelmente saudável, rosarinho, resplandecente. por um lado fiquei triste porque sei que a sonda é tipo uma canivete suíço, e eu queria ver aquilo em acção, como vi em vários videos no youtube. por outro, senti muito orgulho de mim e da minha canalização imaculada.
e apesar de ser bastante invasivo, e de estar acordada durante o processo todo, foi dos exames que mais gostei de fazer. pela tecnologia, pelo profissionalismo e paciência da médica e do enfermeiro. a médica foi impecável, não só ia respondendo às perguntas que eu fazia cada vez que o endoscópio dobrava uma esquina, como ia explicando o exame à medida que ia acontecendo. o enfermeiro assegurava-se que eu estava confortável. tentei não fazer muitas piadas parvas, mas elas acabam por sair assim sem eu ter controle sobre isso 😶, também não senti desconforto nenhum após o exame, nem passei o resto do dia toda grogue.
para ser sincera, a verdadeira tragédia nem foi ter passado uma semana bastante desagradável às contas da colonoscopia... foi ter passado quase uma semana a comer pouquíssimo, e nem a merda de 1kg ter perdido 😡
e pronto. se nos entretantos não acontecer nada que o justifique, é para repetir daqui a 5 anos.