Contar ou não contar?
Junho 03, 2019
eis a questão.
a palavra "cancro" pesa duas toneladas, e não interessa se é grave ou não, que o peso é o mesmo em cima de quem a ouve.
[cada um sabe o que é melhor para si, mas eu] perante um tipo de doença curável e sem necessidade de tratamentos agressivos, sem perder o cabelo ou ficar com sequelas físicas, não tinha vontade nenhuma de andar a preocupar as pessoas sem motivos para tal.
por isso mesmo, poucos ficaram a saber. apenas aqueles que nas duas semanas anteriores assistiram aos meus ataques de pânico, a minha sis e alguns colegas, e os colegas com que trabalhava directamente, visto que as minhas ausências iam começar a ser frequentes nos próximos tempos, por causa das consultas, exames, e tratamentos. uma das minhas grandes preocupações desde o primeiro momento, era o trabalho que não ia conseguir fazer, e os colegas que ia deixar pendurados. e aqui tenho que fazer uma menção honrosa ao meu boss, que foi excepcional não só a gerir o estrago das minhas ausências forçadas, como o apoio que me deu. fez uma diferença enorme nesta história toda.
até ter a certeza absoluta da rebaldaria que ia dentro da minha mama esquerda, e como ia decorrer o processo todo, não quis dizer nada a quem eu sabia que ia custar mais, os meus pais. não queria correr o risco de dizer umas coisas, e afinal eram outras, e que ia ser assim, mas depois já não ia. então esperei até ao momento em que não restavam dúvidas.
"olha mãe, este fim de semana não posso ir aí abaixo festejar o teu aniversário, porque tenho uma cirurgia marcada para tirar uma cena da mama, e não posso correr o risco de ficar doente". a sério, ninguém merece, muito menos a nossa mãe.. foi a notícia mais merdosa que já tive que dar a alguém..
apesar de nunca ter usado a palavra "C", de ter assegurado várias vezes durante o telefonema que não era mesmo nada de especial, era perfeitamente curável, que tinha uma equipa impecável a tratar de mim, e que não queria ninguém preocupado, é óbvio que eles não reagiram bem à notícia. quase preferia não ter contado, tinha-lhes poupado ao choque, que nem consigo imaginar que seja para uma mãe e um pai ouvir uma merda destas...
e é aqui que se levanta uma questão bastante ingrata, para ambos os lados..
nós, que estamos a viver a doença na primeira pessoa, não basta já as mil e uma preocupações que temos na cabeça, como ainda temos que andar a gerir as emoções dos outros. quase que ficamos com sentimentos de culpa, por estarmos a causar angústia e sofrimento às pessoas que nos são mais próximas.. por isso mesmo, e ainda que pareça frio da minha parte, aqui tenho que ser absolutamente racional: o meu foco tem que estar exclusivamente na minha recuperação, não posso estar preocupada com aquilo que possas estar a sentir..
compreendo que não seja uma coisa muito fácil de aceitar e meter em prática, mas manifestações de pena e desgosto é a última coisa que precisamos neste momento. ou pelo menos foi o que eu senti.